O Espírito do Sucesso

Um levantamento feito a pedido da Folha de São Paulo pela Nielsen, que começou a monitorar as vendas de livros espíritas no Brasil neste ano, dá a dimensão do tamanho desse negócio. Presente em nove países com a pesquisa em livrarias, a empresa americana optou pela contagem da venda de títulos espíritas só no Brasil, único país em que a doutrina se firmou como religião.

O levantamento abrange a comercialização dos últimos quatro meses pelas maiores redes do país. Considerado só o faturamento com a venda de livros religiosos, os títulos espíritas correspondem a 32,63%, à frente dos católicos (31,79%) e dos evangélicos (19,92%).

Os livros espíritas custam em média R$ 29,13, ante R$ 17,19 dos católicos e R$ 21,21 dos evangélicos.

Outro fenômeno nacional, são os romances psicografados por nomes como: Zibia Gasparetto, Robson Pinheiro e Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho, que circulam aos milhões. Isso em um cenário em que os únicos números totais conhecidos são os divulgados pelas próprias editoras.

Esses autores vendem tão bem hoje que ficam à frente de Chico Xavier (1910-2002) na contagem da Nielsen. Ocupam, respectivamente, o primeiro, o terceiro e o quarto lugar em vendas. Com 16 milhões de livros vendidos. Zibia Gasparetto, 87, deixa para trás até Kardec, que fica em segundo lugar com ela em primeiro.

 

OS REIS DA PSICOGRAFIA

ZIBIA GASPARETTO, 87

45 livros em 55 anos, com 16 milhões de exemplares

ESPÍRITO Lucius, desde sempre; o nome vem aparecendo em obras de outros médiuns, mas, segundo Zibia, deve não é o mesmo

BEST-SELLER “Ninguém é de Ninguém”, com 865 mil exemplares

 

VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO, 65

Quase 60 livros em 23 anos, com 3,5 milhões de exemplares por sua principal editora, a Petit

ESPÍRITO Antonio Carlos ditou a maior parte; Patrícia é responsável pelos maiores hits

BEST-SELLER “Violetas na Janela”, com 2 milhões de exemplares

 

MARCELO CEZAR, 46

14 livros em 13 anos, com 1,5 milhão de exemplares

ESPÍRITO Marco Aurélio, que teria sido escritor famoso em outra encarnação, mas prefere não divulgar

BEST-SELLER “O Amor É para os Fortes”, com 260 mil exemplares

 

ROBSON PINHEIRO, 52

34 livros em 18 anos, com 1,2 milhão de exemplares

ESPÍRITOS Angelo Inacio teria sido jornalista em outra vida; Joseph Gleber se comunica em português com sotaque alemão

BEST-SELLER “Tambores de Angola”, com 179 mil exemplares

 

 

No tempo de Allan Kardec, espíritos como os de Santo Agostinho e Sócrates teriam ajudado a escrever “O Livro dos Espíritos” (1857). Hoje os best-sellers do gênero são ditados por nomes desconhecidos. Nos livros desses autores, espíritos célebres (como os que psicografavam com Chico Xavier) deram lugar a anônimos.  Lucius e Patrícia seriam as almas que ditam best-sellers do mercado espírita, liderado por Zibia Gasparetto. A autora mais vendida no gênero da psicografia, diz que outros usam o nome do espírito que ela recebe, e ainda reitera que o próprio Lucius já afirmou trabalhar exclusivamente com ela.

Essa mudança de perfil é vista por editores como decorrente das necessidades de cada período do espiritismo.

 “Kardec desenvolvia uma ciência, aqueles espíritos elevados eram necessários. No Brasil, a doutrina ganhou viés místico. Os espíritos são coerentes com a nova realidade, dão mensagens de conforto”, diz o editor Leonardo Möller, da Casa dos Espíritos. A editora publica best-sellers como “Tambores de Angola”, que seriam ditados por Ângelo Inácio e psicografados por Robson Pinheiro. Ângelo, segundo Pinheiro, foi um jornalista na última encarnação, mas prefere usar o pseudônimo para não chamar a atenção de parentes.

Reginaldo Prandi, autor de “Os Mortos e os Vivos — Uma Introdução ao Espiritismo” (Três Estrelas), acredita que a discrição dos espíritos hoje decorre tanto do fato de a doutrina já ter se firmado quanto de uma precaução.

 “Houve processos por direitos autorais, com familiares dizendo: Se usa o nome do meu avô, tem de pagar’.”

Um caso famoso foi vivido por Chico Xavier, que psicografou vários textos do cronista Humberto de Campos (1886-1934) até ser processado pelos herdeiros. Na ocasião, o juiz concluiu que só podia avaliar direitos autorais de obras produzidas em vida, mas, por prudência, Xavier passou a identificar o espírito como “Irmão X”.

Um desenrolar curioso dessa história envolve Zibia Gasparetto. Meio século depois de ela lançar “O Amor Venceu”, que teria sido ditado por Lucius, o nome do espírito passou a figurar em livros de outros médiuns como “Exilados por Amor” (Vivaluz), de Sandra Carneiro.

 “Não é o mesmo Lucius”, informa Zibia. “Ele diz que não tem tempo, que trabalha só comigo mesmo.”

 

Sandra Carneiro diz que o seu Lucius deixa para o leitor concluir se é ou não o mesmo que acompanha Zibia..

 

Mesmo o fundador da doutrina teve de lidar com questões envolvendo créditos, como conta Marcel Souto Maior na biografia “Kardec”.

Embora tenha listado na primeira edição de “O Livro dos Espíritos” os desencarnados que ajudaram no trabalho, Kardec deixou os nomes dos médiuns envolvidos de fora. Causou ciumeira. Para Souto Maior, esse foi o menor dos desafios que o francês teve de enfrentar. Como lidava com uma doutrina que envolvia fenômenos sobrenaturais, sua batalha por toda a vida foi a de mostrar como no centro de tudo estava não o milagre, mas a solidariedade – até hoje, a maior parte das editoras espíritas doa direitos autorais a instituições de caridade.

 

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